
Com uma mão no leme da lancha e a outra segurando o celular, Alexandre Anderson registra, em um aplicativo, uma mancha de óleo na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro — uma nova ferramenta para enfrentar a devastação ambiental causada pela exploração de petróleo e o descarte irregular de resíduos.

A plataforma “De Olho na Guanabara”, desenvolvida pela Associação Homens e Mulheres do Mar (Ahomar) em parceria com a ONG 350.org, permite que os usuários denunciem infrações ambientais como vazamentos de petróleo, descarte de lixo por empresas nas margens da baía e o despejo descontrolado de água de lastro de navios. Essas infrações, embora causadas por grandes empresas e embarcações, raramente são tratadas com a seriedade necessária pelos órgãos fiscalizadores.

A Baía de Guanabara, com seus 400 km², sofre não apenas com o despejo de esgoto e lixo, mas com o impacto contínuo das atividades industriais e petrolíferas, que incluem vazamentos de óleo e o descarte descontrolado de água de lastro. No entanto, enquanto esses crimes ambientais continuam a prejudicar o ecossistema, a fiscalização é notoriamente ineficiente quando se trata das grandes corporações.

Paradoxalmente, os órgãos como o IBAMA e outras autoridades fiscalizadoras frequentemente responsabilizam os pescadores artesanais pela queda das populações de espécies marinhas, ignorando os danos causados pela poluição industrial. Embora a pesca excessiva seja apontada como o principal culpado, muitas dessas espécies já estavam em declínio devido à poluição notória da baía, dos rios e do mar. "Como podemos ser culpados por pescar espécies que estão sendo extintas pela poluição?", questiona Paulo Barone, presidente da Associação dos Pescadores do Arquipélago de Paquetá.
Essa disparidade no tratamento fica ainda mais evidente quando as infrações dos pescadores são rigidamente fiscalizadas e punidas, muitas vezes sem provas concretas, enquanto as corporações continuam a poluir impunemente. Espécies de valor comercial, como robalos e pescadas, já são raramente encontradas na baía, resultado direto da poluição industrial. No entanto, a queda dessas populações é injustamente imputada aos pescadores artesanais. "A fiscalização é severa com os pequenos, mas tolerante com as grandes empresas que realmente destroem o meio ambiente", denuncia Alexandre Anderson.

O uso do aplicativo “De Olho na Guanabara” busca equilibrar essa injustiça. Agora, os pescadores podem registrar e denunciar diretamente os crimes ambientais que presenciam, pressionando as autoridades a agir. Em poucas semanas, o aplicativo já havia gerado várias denúncias, mas Anderson ressalta que os órgãos de fiscalização precisam parar de ignorar as infrações maiores e focar no verdadeiro problema: a poluição industrial.
Segundo Luiz Afonso Rosário, coordenador da 350.org no Brasil, os pescadores artesanais estão na linha de frente das denúncias de poluição na Baía de Guanabara há décadas. Contudo, enquanto as grandes empresas continuam despejando lixo e água de lastro sem controle, destruindo o ecossistema local, os pescadores são multados e responsabilizados injustamente pela queda nas populações de peixes. “A fiscalização é implacável com os pequenos, mas complacente com os poderosos”, afirma Rosário.

Os efeitos devastadores dos crimes ambientais já são sentidos. O vazamento de 1,3 milhão de litros de petróleo de uma refinaria da Petrobras em 2000, por exemplo, reduziu drasticamente a quantidade de espécies de valor comercial na baía, como robalos e pescadas. “Isso acabou com a pescaria. Você não encontra mais essas espécies”, lamenta Roberto Marques Resende, pescador local. Mesmo assim, os pescadores continuam sendo responsabilizados pela escassez de peixes, enquanto as corporações continuam suas operações com pouca interferência das autoridades.
Missão perigosa
Para Alexandre Anderson, a luta contra a destruição ambiental e a poderosa indústria do petróleo na Baía de Guanabara é perigosa. Após perder quatro colegas assassinados por se oporem aos projetos petroquímicos, ele e sua esposa ingressaram no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Com o lançamento do aplicativo, os riscos para ele aumentaram, mas Anderson permanece determinado.
“Agora, não só os pescadores têm essa ferramenta para lutar contra a destruição do meio ambiente, mas toda a sociedade pode se unir nessa luta”, afirma ele. “Se as autoridades começarem a punir as empresas responsáveis pelos crimes ambientais e deixarem de responsabilizar injustamente os pescadores pela extinção de espécies, poderemos realmente resolver esses problemas”, conclui.

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