Em uma proposta inusitada e controversa, representantes do Brasil na Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT), reunidos no Chipre, estão desenhando uma recomendação para limitar as capturas nacionais de atum bonito-listrado (SKJ) a 23 mil toneladas anuais. Essa proposta vem mesmo após o país ter registrado uma captura de 31 mil toneladas da espécie em 2023, segundo dados do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). A medida levanta questionamentos sobre se o Brasil estaria, na prática, autoimpondo uma “punição” ao setor pesqueiro nacional, que se destaca pela sustentabilidade.
O atum bonito-listrado é atualmente a terceira espécie mais explorada na pesca extrativa mundial, com um volume de captura anual de 3,1 milhões de toneladas. No Brasil, essa espécie representa um peso considerável na pesca: em 2022, o atum bonito-listrado
foi responsável por 50% de todo o atum capturado no país, com 90% das capturas concentradas nas regiões Sul e Sudeste.
"O Projeto de Recomendação Proposto e Apresentado pelo Brasil, PA1-511/2024, para a Gestão do Recurso Skipjack (SKJ) na região do Atlântico Ocidental é, sob diversos aspectos, uma medida fora das prioridades e até inacreditável,” afirma Wilson Santos, Engenheiro Industrial Químico da WS Consultoria.
Segundo ele, o Brasil está propondo um limite de captura para uma pesca que já é referência em sustentabilidade dentro do ICCAT, utilizando principalmente vara com isca viva, um dos métodos mais ecológicos e seletivos de captura. “Temos a pesca mais sustentável deste recurso no âmbito do ICCAT. Além disso, o Brasil representa 90% da captura na região do Atlântico Ocidental, sendo que a Venezuela contribui com apenas 7%.”
Santos destaca a discrepância entre essa proposta e a realidade de outras regiões administradas pelo ICCAT, especialmente o Atlântico Leste, onde a pesca do SKJ é feita majoritariamente com redes de cerco, método de menor seletividade e com uma captura aproximadamente oito vezes maior. “Nessa região, onde a pesca é intensiva e menos sustentável, não há qualquer movimento para controle de captura. Então, a questão que fica é: se já temos uma pesca super sustentável com forte impacto socioeconômico, por que liderar um limite de pesca nesse recurso enquanto outras regiões não as colocam como prioridade?”
Essa abordagem, para Santos, levanta questões sobre o papel que o Brasil está assumindo ao propor uma autolimitação, enquanto outras regiões seguem sem restrições e com métodos que apresentam maior impacto ambiental.
O Brasil se destaca globalmente pelas práticas sustentáveis na captura de atum bonito-listrado, com 92% da pesca realizada em 2022 utilizando métodos como vara com isca viva e linha de mão, que respeitam os ecossistemas e preservam a espécie. Isso contrasta com a média global da ICCAT, onde apenas 14% da pesca de atum bonito-listrado é considerada sustentável. Apesar desses esforços, a proposta brasileira sugere reduzir as capturas para 23 mil toneladas anuais, um valor abaixo das 31 mil toneladas registradas em 2023.
Surpreendentemente, nenhuma região do mundo impõe restrições de captura para o atum bonito-listrado, independentemente do tipo de técnica utilizada, incluindo métodos de cerco. Isso torna a proposta brasileira ainda mais questionável, ao propor uma limitação a um setor que já é referência em sustentabilidade, enquanto outros países seguem pescando a espécie sem quaisquer restrições.
A proposta desperta reações e questionamentos entre especialistas e representantes do setor: trata-se de uma medida estratégica para a preservação dos recursos ou de uma autolimitação que pode prejudicar economicamente a indústria pesqueira nacional?
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